A psicologia é uma ciência?

“Depende” (sim, a resposta de um psicólogo típico). Uma resposta positiva ou negativa dependerá de onde pensarmos sobre ela, do que entendermos pela ciência e do que alguns dentro da psicologia entendem pela ciência.

Hoje, e após o contexto da pandemia, a discussão sobre critérios científicos na construção do conhecimento está em primeiro plano. Notícias falsas, teorias conspiratórias, chips em vacinas e “o homem nunca chegou à lua” têm destacado a necessidade de critérios científicos sérios.

Talvez devêssemos começar a partir do básico. A ciência tem a ver com “conhecimento” (scientia). Mas, qualquer tipo de conhecimento? Não. Com isso queremos dizer um tipo de conhecimento construído com base em regras e procedimentos gerados por comunidades de pessoas qualificadas para fazê-lo.

Então, isto se aplica à psicologia? Sim e não. Mas isso não é problema da psicologia em se mesma. (Talvez aconteça em muitas disciplinas) Senão que vai depender de como essas regras e procedimentos são entendidos pelas comunidades de psicólogos. Basicamente em psicologia haveria dois grupos principais (melhor dizendo: paradigmas) que são definidos pela forma como eles entendem a “realidade”. Ou seja, se consideram que ela é objetiva ou subjetiva. No caso da psicologia, vamos falar da realidade psicológica.

Aqueles que entendem que a realidade psicológica é objetiva seriam aqueles que são tipicamente e comumente reconhecidos como “cientistas” (de acordo com os filmes: os loucos de casacos brancos e trancados em um laboratório). A partir daí, considera-se que a única coisa científica é aquela que pode ser “medida”, diretamente observada, e que sua existência não depende de nosso olhar subjetivo. Isto lhes permitiria construir conhecimento através de experimentos e procedimentos que pudessem observar o fenômeno (objeto) de forma neutra e controlada, livre de preconceitos, tendenciosidades e depois poder dizer: “Isto é cientificamente comprovado”. Aqui poderíamos encontrar psicólogos cognitivos e comportamentais, por exemplo.

Os do segundo grupo argumentam que a realidade psicológica (ao contrário da física, química, etc.) é subjetiva e não responde às leis da natureza. Ao contrário, eles consideram que o objeto da psicologia como ciência é construído subjetivamente, que ela responde a fenômenos que são difíceis de medir ou de acessar objetivamente, por exemplo, os significados e sentidos das experiências. Os cientistas que pertencem a este grupo desenvolveram (sempre em comunidade) procedimentos e regras metodológicas que são diferentes do outro grupo e que estão sujeitos ao escrutínio de seus colegas. Aqui podemos encontrar psicólogos humanistas, narrativistas, gestaltistas e muitos outros.

Em resumo, pode-se considerar que qualquer psicólogo que seja reconhecido como pertencente a um desses dois principais grupos faria parte de uma comunidade científica. O problema é que associamos o critério de “científico” apenas à primeira opção descrita acima, e também que a partir desta posição qualquer produção de conhecimento gerada a partir da segunda opção é desacreditada (esta última situação poderia ser chamada de “cientificismo”).

A psicologia é uma disciplina que foi construída com base na geração de conhecimento a partir de regras e procedimentos sérios. Poderíamos então considerar que qualquer conhecimento “psicológico” gerado fora destes paradigmas (objetivo e subjetivo) careceria de respeito, aceitação e reconhecimento dentro da comunidade científica e com isso sérios riscos para a sociedade.

Atualmente, muitos psicólogos optam por uma visão mista dos paradigmas, aceitando que a realidade psicológica responde tanto a processos objetivos como subjetivos e articulando métodos e técnicas de ambos os lados. No meu caso, minha formação de pós-graduação em ambos os paradigmas me levou a articular teorias de cognição com teorias do discurso e a oferecer uma clínica que possa responder a diferentes dimensões da complexa realidade psíquica das pessoas.